Victor Ostetti/MidiaNews
A psicoterapeuta familiar e neurocientista Mariana Vidotto, que alerta para o risco das telas
Em um mundo onde crianças de 3 anos manuseiam smartphones com mais destreza do que lápis de cor, a neurociência soa o alarme: o uso precoce de telas está remodelando cérebros em desenvolvimento – e não para melhor.
A cuiabana Mariana Vidotto, 36 anos, psicoterapeuta familiar e neurocientista especializada em desenvolvimento infantil há 14 anos, explica que 75% da construção da personalidade humana depende de interações reais, abraços e limites – elementos ausentes quando tablets viram babás digitais.
Nesta entrevista excluisva ao MidiaNews, ela desvenda como a exposição desregulada a celulares e redes sociais antes dos 14 anos pode comprometer habilidades cognitivas, emocionais e até mesmo predispor a comportamentos de risco, como os desafios perigosos que viralizam entre adolescentes.
"Todo pai que entrega e dá a possibilidade para um filho menor de 14 anos ter acesso a celular e redes sociais ele está colocando o filho em perigo, em menor ou maior grau", diz.
MidiaNews - Como uso excessivo de celulares e redes sociais pode impactar o desenvolvimento emocional e cognitivo de crianças e adolescentes?
Mariana Vidotto - A primeira coisa a se dizer é como se dá a construção de uma personalidade. A neurociência já sabe que acontece da seguinte forma: 25% é individualidade. É um grupo de virtudes e tendências com que cada um de nós já viemos para esse mundo. Vinte e cinco por cento é a genética. E esse estudo, através da epigenética, mostra o quê? O nosso DNA vem como se fosse com botões, que são as nossas predisposições, tanto para doenças físicas quanto emocionais. Uma condição, por exemplo, de uma cardiopatia, diabetes, ou uma tendência, uma predisposição para doenças emocionais. Só que essas tendências vêm como botões que só são ativados pelo meio da criança. E aí faltam 50%. O que são esses 50% restantes? O ambiente, as nossas interações sociais... O cálculo que eu faço é que, na verdade, 75% de quem somos e como é construída essa personalidade acontecem de acordo ou como consequência das nossas inter-relações e dos ambientes em que nós estamos inseridos, principalmente na primeira e na segunda infância.
O córtex se desenvolve apenas mediante duas coisas. Contato físico, que é colo, abraço, acolhimento mesmo. Quando a gente fala do bebê, sabe? O bebê chorar e ser acolhido no choro. Aqui já entra uma informação importante sobre treinamento de sono, que as mamães, toda mamãe já ouviu falar, já passou, principalmente no primeiro ano de vida. E o que acontece? Quando a gente deixa um bebê chorando, diminuem essas conexões neurais. Então amadurece menos essa região responsável por uma personalidade segura. E as nossas interações sociais positivas, que são o acolhimento, boas referências, o nosso senso de conexão, de importância, de pertencimento desde bebê. Nós precisamos dessas características para desenvolver essa região cerebral, para ter conexões neurais. E infelizmente a gente vê muito mães entregando tablets, videozinhas, ou até colocando o bebê na frente da televisão como forma de silenciar o trabalho.
A nova babá do século são as telas. Quando a gente entrega um celular, telas, para crianças e bebês, o que a gente está fazendo? Estamos tirando ferramentas essenciais e necessárias para o desenvolvimento do cérebro da criança e, consequentemente, das suas habilidades. Habilidades que são cognitivas, socioemocionais, habilidades psicológicas... Para você ver que nós estamos falando de uma questão que também é fisiológica. Quando a gente olha um adulto, por exemplo, um adulto que tem muita dificuldade de autorregulação, aquele adulto que explode. Quando a gente olha de uma forma responsável para a construção dessa personalidade, nós já sabemos que faltaram condições para desenvolver uma personalidade saudável. Até aproveitando um assunto que as pessoas sempre perguntam sobre os sociopatas. Antigamente, existia uma discussão sobre o que era mais importante para determinar uma personalidade sociopata - se era o fator genético ou o ambiente. E hoje não existe mais essa discussão. Hoje nós sabemos que o fator ambiente é o determinante e que mesmo que uma pessoa venha, por exemplo, com uma predisposição genética do pai e da mãe, se essa criança é tirada, por exemplo, desse meio, desses pais, é criada por uma tia e uma avó - onde ela recebe acolhimento e cuidado -, ela pode sim desenvolver uma personalidade saudável.
MidiaNews - E com qual idade devemos dar o celular para as crianças e adolescentes? Como deve ser a quantidade de tempo de uso?
Mariana Vidotto - Celular, tablet, smartphone, apenas após os 14 anos de idade. Agora, o tempo de tela é uma outra pergunta. Até três anos de idade, zero tela. De três a cinco anos de idade, até uma hora supervisionado. Acima dessa idade, que é inclusive para adultos, no máximo duas horas. No máximo duas horas de uso. E até 21 anos de idade, é no máximo duas horas, só que supervisionado. O que a gente precisa entender e sermos adultos responsáveis é de educarmos os nossos filhos com a educação digital, proporcionar uma educação digital responsável. E para fazer isso, existem algumas regrinhas básicas. Por exemplo: com 14 anos eu entrego o celular para um filho. Só que à medida em que eu entrego esse celular, existem algumas regras e responsabilidades que o meu filho precisa seguir. A primeira delas: a gente não faz nada escondido. Então é acordado. "Filho, olha, você vai ter aí acesso a uma, duas horas no celular, nesse horário e nesse horário..." É pré-determinar. Tudo que é pré-determinado é mais fácil. No período da noite, quando for dormir, celular, tela e computador não ficam dentro do quarto, tá!?
MidiaNews - E com quantos anos essas crianças e adolescentes devem ingressar em redes sociais?
Mariana Vidotto - O ideal é que seja após os 16. Existem alguns, inclusive educadores parentais, que colocam 14 anos. "Eu entreguei um smartphone. Quais são as redes sociais que o meu filho pode ter?" Existem algumas regras para uso. Tudo é supervisionado, e é importante que os adolescentes saibam que eles serão supervisionados, e não por punição, mas por proteção. Se a gente for olhar tudo o que acontece de ruim e errado, acontece dentro do quarto. Por isso que falei agora sobre tirar as telas de dentro do quarto, o celular de dentro do quarto... Outra regrinha bem importante que passo para os pais é: adolescente não dorme com o celular no quarto. Por quê? Eles passam a noite acordados, em redes sociais. Eles não têm o cérebro maduro para falar assim: "Eu vou desligar e agora vou dormir porque tenho aula amanhã cedo". Quantas vezes você já se pegou deitada na cama, sabendo que tinha que trabalhar no outro dia, acordar às 6 horas da manhã e de repente você se perde vendo vídeos. A tecnologia foi feita para prender a nossa atenção. Essa regrinha, por exemplo, de não dormir com o celular no quarto, eu passo para os pais também. Fazer uma caixinha detox, a caminha do celular... Todo mundo na hora de dormir coloca o celular ali dentro da caminha do celular, dentro da caixinha detox, para a gente ter uma maior qualidade de vida e para a proteção das crianças e adolescentes.
MidiaNews - Recentemente o caso de uma menina de 13 anos que engravidou após um desafio de roleta russa em São Paulo chamou muita atenção. Os meninos ficavam sentados nus e as meninas passavam nuas sentando sobre eles. E ela acabou engravidando sem saber quem é o pai.
Mariana Vidotto - Esse foi um caso que me emocionou profundamente. Inclusive de falar disso eu fico emocionada como terapeuta e como mãe. Acho que a primeira coisa pra gente falar é que essa criança não recebeu nenhuma educação sexual. A gente precisa ter consciência de que todas as primeiras informações sobre absolutamente tudo na vida é muito importante e necessário que venham de um local seguro. E quando, e muitas vezes nós, como pais, não temos isso para dar? Se isso não foi passado para mim, é um tabu, eu tenho dificuldade... É o momento de buscar uma ajuda profissional. Porque a primeira referência sobre tudo é muito importante; fica gravada na memória de longo prazo. Você imagina agora as consequências para esta criança... O que me me deixou muito triste foi inclusive ver os comentários nas matérias, julgando muito. Ali a gente estava falando de uma classe média, classe média alta, se eu não me engano, dentro de um condomínio. Uma escola com mensalidade de quase R$ 3 mil. Pra você ver que cada vez mais as nossas crianças e jovens estão sendo abandonados de informações importantíssimas para o desenvolvimento e para escolhas saudáveis.
MidiaNews - Por que crianças e jovens se sentem atraídos por desafios como do desodorante e da automutilação? E como os pais podem identificar sinais de que seus filhos estão envolvidos?
Mariana Vidotto - Vou responder de uma forma bem direta essa pergunta, eu até agradeço. É o seguinte: todo pai que entrega e dá a possibilidade para um filho menor de 14 anos ter acesso a celular e redes sociais ele está colocando o filho em perigo, em menor ou maior grau. Falo porque atendo esse público diariamente no consultório. Não existe uma criança que vá ter acesso a celular e a redes sociais com o cérebro imaturo e não vá fazer más escolhas. Por quê? Só após os 14 anos nosso cérebro passa a ter capacidade fisiológica e emocional para fazer a seguinte reflexão: "Eu estou curiosa, eu quero isso, mas isso não vai fazer bem para mim". Por isso é tão perigoso nós deixarmos as nossas crianças com acesso à tela, celular e smartphones, porque eles não vão conseguir fazer as melhores escolhas. E essa coisa de se sentirem atraídos por desafios vem muito dessa questão da adolescência, da inconsequência. Porque eles se sentem atraídos por desafios que pra gente, como adultos, olhando, parece ser óbvio que não vão dar certo.
O ser humano tem três necessidades importantes, intrínsecas. A primeira delas é de importância. Isso é um olhar que você trouxe agora, que é muito precioso para que os pais escutem essa informação. Faça uma reflexão se você proporciona dentro do seu lar um sentimento de importância para o teu filho. A segunda delas é de pertencimento. Faça questão de usar frases diárias para o teu filho, principalmente quando você vai colocar alguma regra. A regra do nosso lar é: filho, você pertence à nossa família, à minha família, E as regras da nossa casa e da nossa família são essas. E a terceira delas, e muito importante: liderança. Só que essa liderança é uma liderança virtuosa. É um líder, e nós seguimos um líder porque nós o admiramos e não porque temos medo. Assegure-se dentro do teu lar que vocês, pais ou cuidadores, fazem esse papel de líder na casa de vocês.
Eu escuto isso sempre no consultório, em sessões parentais: "Mas se eu fizer isso aqui, a minha filha não vai gostar de mim". Aí eu falo: "E você tem algum medo da tua filha não gostar de você? Faz parte, em alguns momentos, da tua filha não gostar do teu posicionamento. A gente precisa buscar ajuda para adultecer emocionalmente, para conseguirmos ser capazes de guiar uma vida. E o que que acontece? Quando essa criança, esse jovem, não tem esse líder, não se sente pertencente e não se sente importante dentro de casa, ele vai buscar necessariamente isso fora de casa. E aí que está o perigo.
MidiaNews - O cyberbullying é uma realidade crescente. Como ele difere do bullying tradicional e quais são as consequências psicológicas para as vítimas?
Mariana Vidotto - Depende do acesso, depende da educação digital que essa criança, esse adolescente teve. Você imagina o seguinte: o bullying na nossa época acontecia, e qual era a consequência nas nossas vidas? Quando acontecia, por exemplo, um bullying na escola, você dizia pro seu pai, pra sua mãe que não queria ir mais à escola. Hoje em dia, não existe mais isso. Ele [o bullying] é jogado no mundo. É um impacto muito maior emocionalmente se essa criança não é protegida desse local aberto das redes sociais. Por isso que antes de eu entregar um celular e o acesso a redes sociais para os meus filhos, é imprescindível que eu faça essa educação digital. A gente entender que hoje tudo que eu faço é público e é publicizado.
MidiaNews - Recentemente houve uma operação contra um adolescente de 15 anos, morador de Mato Grosso, que era líder de um grupo virtual que se estendia para outros estados. E ele coagia meninas a se automutilar, a mandar fotos íntimas e vendia essas fotos. Como um jovem chega a cometer crimes virtuais dessa gravidade e qual o papel da falta de supervisão digital nisso?
Mariana Vidotto - Isso mostra o quanto as crianças e os adolescentes estão sendo abandonados pelos pais. Você imagina o tanto que ele conseguiu orquestrar e montar. O tempo que ele precisava investir em tudo isso e ninguém estar vendo o que acontecia com ele. E no depoimento à Polícia, ele citou que sofria bullying na escola. E nas redes sociais se sentia um líder, um poderoso. O oprimido virando um opressor.
MidiaNews - A pornografia e a sexualização precoce estão acessíveis a um clique. Como isso afeta a percepção de relacionamentos e a sexualidade de adolescentes?
Mariana Vidotto - Quando a gente fala, por exemplo, nas maiores consequências do uso precoce de tecnologia, pra meninas é o impacto direto na autoestima. E pros meninos essa parte da pornografia. Você imagina qual é a capacidade emocional de um menino que está lá navegando, aí aparece uma mulher linda, maravilhosa, que fala: "Clique aqui para você me conhecer mais". Aí você fala: "Nossa, mas eu crio meu filho com educação virtuosa, eu converso diariamente, ele tem abertura". Mas ele não tem um cérebro capaz, com 11, 12, 13 anos, de dizer não para este clique. A gente precisa entender isso. Assim como uma menina, quando ela vê fotos assim: "Clica aqui que tem um remedinho pra você deixar o seu corpo assim". [Ela] Olha aquele corpo totalmente filtrado, aquela vida instagramável, que não é real, e faz uma comparação com a sua própria vida, com o seu próprio corpo... Ela não tem maturidade emocional para entender que aquilo ali é um recorte, como a gente já sabe, e muitas vezes também temos dificuldade. Esse é o impacto que as crianças e os adolescentes estão tendo tão novos na construção de uma personalidade que não está sendo segura, não está sendo saudável. E a gente sabe que a única forma de prevenção de abuso sexual, de contato com drogas e sexo de uma forma não virtuosa, a única coisa que realmente previne tudo isso chama-se autoestima segura, capacidade de dizer não.
MidiaNews - E como desenvolver essa autoestima segura nos jovens, que hoje em dia já nascem nesse ambiente de comparação? Como fazer eles se sentirem mais seguros, até mesmo para poder escolher o tipo de conteúdo consumido?
Mariana Vidotto - Primeiro protegendo-os de escolhas que não são capazes de fazer, dependendo da idade. Gerando vínculo e conexão, fazendo essas crianças se sentirem importantes, pertencentes e dando limites seguros para elas. Essa eu diria que é a dica número um. E a gente também, fazendo um exercício de autoconhecimento, de exemplificar... Os pais precisam entender que qualquer coisa que eu quero ensinar para os meus filhos, a primeira perguntinha é se eu já tenho isso dentro de mim. Porque a forma mais fácil de eu educar qualquer pessoa, não somente filhos, de eu impactar a vida de alguém, é com o meu exemplo. Se percebo que não tenho aquilo para dar, eu exercito a virtude de aprendiz da vida, da humildade, e busco ajuda para isso.
Alguns jovens desenvolvem dependência digital, abandonam os estudos, as interações reais, as brincadeiras. Quais são os sinais de vícios em redes sociais e quando os pais devem buscar ajuda profissional? Quando os pais também podem identificar que já é um vício nas redes sociais, que o filho está abandonando o estudo, não procura mais amiguinhos, não ter atividades presenciais? Qualquer jovem que tenha um celular sem regras, sem determinação de tempo, qualquer um estará necessariamente viciado, porque nós adultos já temos uma dependência emocional. Eu mesma, há alguns anos, na verdade, intensificou isso com o nascimento da minha filha... Comecei a perceber muito. Foi quando tive a ideia da caixinha detox. Ela existe dentro da minha casa. Nós todos somos viciados em tecnologia. A gente primeiro precisa partir dessa premissa. Se você tem um jovem, uma criança dentro de casa que não tem regras como tempo de uso, horário que vai utilizar, devolver o celular, o teu filho está viciado em tecnologia. Porque a tecnologia foi feita para nos deixar o tempo todo conectado. Essa criança, esse adolescente está sendo prejudicado nas suas habilidades psicológicas, cognitivas e emocionais. Muitos pais não sabem o que seus filhos fazem online.
MidiaNews - Qual a maneira mais eficaz de monitorar o uso da internet sem invadir a privacidade desses jovens?
Mariana Vidotto - Privacidade é conquistada quando a gente cresce, consegue pagar as nossas contas, tem maturidade emocional para fazer escolhas. A privacidade dos jovens é supervisionada, e isso precisa ser acordado a partir do momento em que eu deixo meu filho ter contato com a rede social e celular. Agora uma questão que eu escuto muito no consultório, inclusive das minhas adolescentes: "Tia Mari, mas a conversa com o meu namorado, com a minha melhor amiga, você acha que é legal eu não ter esse espaço para conversar com ela?". Uma coisa que eu acho que é importante e que pode ser acordado dentro de casa, é assim: "Filha, filho, olha, nós vamos fazer um acordo. As suas conversas serão sim supervisionadas, porque eu te amo e eu quero te proteger, e você ainda não tem o cérebro formado para conseguir fazer todas as melhores escolhas, tá? Agora, eu te prometo é que a conversa com o seu namorado ou com a sua melhor amiga, a mamãe e o papai não vão abrir, tá bom?" Esse é um limite respeitoso e responsável, a regra dos dois Rs que eu passo para os pais no consultório.
MidiaNews - Como as escolas podem contribuir para uma educação digital saudável, prevenindo o comportamento de risco? A escola tem um papel importante na formação desses adolescentes, dessas crianças?
Mariana Vidotto - Um papel importantíssimo. Os nossos filhos, salvo raríssimas exceções, passam mais tempo nas escolas com esses educadores do que com os pais. A primeira sociedade em que a gente vai, que a gente se coloca no mundo, é a escola. A gente precisa parar de menosprezar pequenos comportamentos. Por exemplo, o meu filho foi para escola, eu olho a mochila dele quando ele volta? Eu olho se tem alguma coisa que voltou que não é dele? Eu estou lá conversando com a professora e me coloco aberta a escutar? Percebo que existe um medo das professoras, porque os pais se colocam de uma forma não aberta para escutar. Eles vão não no sentido colaborativo, mas de acusar alguma coisa. Sempre oriento os pais a se apresentarem na escola da seguinte forma: "Olha, eu sou fulana, mãe da fulana ou do fulano, e qualquer coisa que acontecer com o meu filho, eu queria que vocês me contassem para a gente caminhar junto. Há coisas que eu consigo observar que vocês não vão conseguir, e coisas que vocês vão conseguir observar e eu não".
A família e a escola são um time de educadores que estão ali para a construção de uma personalidade saudável. E uma frase que eu queria até finalizar essa resposta dizendo é o seguinte: não tem ninguém, ninguém depois de um pai e de uma mãe, com mais vontade de que os seus filhos sejam adultos saudáveis do que o professor deles. A gente precisa ter essa consciência e trabalhar de forma colaborativa com a escola, observar os comportamentos do meu filho com os amiguinhos, com esses primeiros líderes, esses professores, esses educadores...
Recentemente aconteceu um congresso mundial em San Diego (Estados Unidos), onde as maiores empresas de tecnologia e empresários, investidores, estado se reúnem para conversar sobre o modelo da escola do futuro. E algo que mais foi falado em todas as palestras é que a escola do futuro são escolas que vão preconizar 80% matérias e ferramentas para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e não mais cognitivas. Por quê? Hoje em dia nós ainda temos uma escola com padrão industrial, que é o quê? Uma escola que estava ali formando operários dentro de uma caixa e não para pensar fora da caixa, que é o que o mundo precisa.
MidiaNews - Para um adolescente como aquele aqui de Mato Grosso, que cometeu crimes onlines, há recuperação?
Mariana Vidotto - Essa resposta precisa ser bem responsável. Como é que a gente desenvolve qualquer virtude? Existe um processo de quatro passos. Primeiro eu identifico determinada virtude, e sei que ela existe. Digamos que eu cometi um crime e, de repente, identifico com a virtude da compaixão, do bem. Esse é o primeiro passo, quando eu olho que algo virtuoso existe. O segundo passo é quando percebo, me identifico com essa virtude. Então se eu percebi que ela existe, ela me tocou, significa que isso existe de alguma forma, mesmo que num estado latente, dentro de mim. Qual que é o terceiro passo? Isso é pra qualquer virtude: paciência, autorresponsabilidade, compaixão, amorosidade. O terceiro passo é quando eu começo a fazer esforços intencionais. Vou pegar o exemplo da paciência para ficar fácil de todo mundo entender. Eu entendo que não sou paciente e escolho duas ações que vou colocar todos os meus dias para ir internalizando a paciência. Nessa fase ainda é um esforço intencional e que demanda bastante esforço mesmo, que é difícil para mim. A quarta fase é quando me torno a virtude em si. De tanto que eu pratico e internalizo que as pessoas começam a falar assim: "A Mariana é uma pessoa paciente, a Mariana é uma pessoa amorosa".
E veja só, quando a gente fala desse passo responsável, que é o passo para o desenvolvimento de qualquer virtude, aí a pergunta é: quais são os espaços, os profissionais, os ambientes que nós proporcionamos para fazer este processo com uma criança ou adolescente que teve uma atitude como essa? Nós temos algum espaço que consiga ser ferramenta para o desenvolvimento de virtudes? Uma vez que o crime aconteceu, como faço para que isso seja diminuído, para que isso seja transformado? A gente consegue transformar pelo medo, por exemplo. A gente diminui? A gente diminui. Se a gente pega, por exemplo, países onde há leis mais severas e que funcionam de forma irrestrita... Nos Estados Unidos, você pode ser famoso, rico, que se você for pego, bebendo, dirigindo, você vai preso. Isso de alguma forma silencia alguns comportamentos. Silencia, mas não modifica. O único processo para modificar é o desenvolvimento de virtudes dentro de uma personalidade. É a gente olhar se esses espaços, por exemplo, falando aqui desse jovem, se nós temos no Brasil ambientes que proporcionem o desenvolvimento de virtudes de uma personalidade saudável.
MidiaNews - Como os pais podem ajudar os filhos a desenvolver um senso crítico em relação ao que consomem online?
Mariana Vidotto - Eu parto da premissa de que nós não podemos ser responsáveis pelo que acontece fora da nossa casa, da nossa família. O que a gente pode fazer é não deixar os nossos filhos terem acesso ao mundo digital sem supervisão. É isso que consigo fazer. A grande questão aqui é: um jovem, para estar nesses joguinhos, ou em outras coisas criminosas, ou que sejam prejudiciais para ele, se isso está acontecendo, os pais precisariam estar sabendo. E se isso acontece, daí deve ser retirado até que tenha maturidade para fazer boas escolhas. A pergunta é: por que esses jovens estão sendo abandonados no ambiente mais perigoso que existe, que é o mundo digital?
MidiaNews - Se você pudesse dar um conselho final para os pais, educadores e adolescentes sobre como navegar nesse cenário digital tão desafiador, qual seria?
Mariana Vidotto - No mundo onde a gente está, tão conectado, nós pais perdemos a conexão dentro de casa. No mundo onde tudo está a um clique, a gente perdeu o toque, o carinho dentro de casa. Que vocês [pais] façam uma reflexão de como que está esse contato físico, esse olho no olho dentro do lar. Entender que para conseguir fazer uma corrida no sentido de caminhar juntinho com os nossos filhos, a gente precisa primeiro começar a dar os primeiros passos. Existem desconexões tão profundas dentro dos lares que eu falo assim: "Olha, consiga um momento, uma vez por semana, para almoçar com o teu filho". "Ah, mas a gente não conversa". Eu falo: "Começa apenas estando nesse ambiente. Comece a se conectar com esta criança. Não dê para ela aquilo que ela não tem capacidade de lidar". Isso é proteção, não é punição. Sigam as regras que a gente já tem da neurociência, permitam que seus filhos tenham acesso apenas após os 14 anos e, quando permitirem, estejam disponíveis para fazer essa educação digital, que seja entregue com regras, regras pré-estabelecidas, explicadas. Isso daí é por proteção e porque vocês os amam. E faz parte escutar que eu sou a mãe chata. Eu brinco muito sobre o clube da mãe chata. O que é o clube da mãe chata? São as mães conscientes, as mães que escolhem os caminhos às vezes mais trabalhosos e mais difíceis por amor. E todo o caminho que a gente escolhe pelo não trabalho, ele vem necessariamente um trabalho dobrado depois. Eu desejo que vocês tenham, dentro dos lares de vocês, muito toque, muito olho no olho, muito abraço. Que isso daí já vai proteger os nossos filhos de muita coisa. E não abandone os nossos bens mais preciosos, não terceirizem. A criança e o adolescente precisam de interação o tempo todo. Você não precisa deixar o teu filho na tela porque você está cozinhando, porque você está organizando a sua casa. Convide-os pra fazer esse processo junto com vocês. O resumo da minha mensagem seria: mais presença dentro do lar.
Confira a entrevista completa:
Comentários (2)
A orientação é extremamente pertinente e necessária nos dias de hoje. Parabéns por abordar um tema tão relevante! Oferecer celular para crianças antes dos 14 anos pode, sim, expô-las a riscos como cyberbullying, conteúdos inadequados e dependência digital. É essencial que os pais tenham consciência dos impactos e priorizem o diálogo, o acompanhamento e o uso responsável da tecnologia.
enviada por: solange Data: 09/06/2025 10:10:32
Excelente orientação! Dar celular a crianças antes dos 14 anos pode colocá-las em risco. É fundamental que os pais reflitam sobre o uso consciente da tecnologia e priorizem a segurança e o bem-estar dos filhos.
enviada por: Sanny Bruna Data: 09/06/2025 10:10:18